02 dezembro 2011

Rimini

Carrego nas costas meu notebook de 2 quilos. Às vezes na mão direita, às vezes na esquerda, levo outra bolsa, com roupas e material de higiene. Tudo soma uns seis quilos. Já caminho há 20 minutos em busca do Adriático.

- Quando tu avistares as estátuas dos quatro cavalos, na praça Federico Fellini, não tem mais erro...é só seguir adiante mais um pouco e vais ver o mar – me explica a senhora que vende, na calçada mesmo, as passagens do ônibus que vai à San Marino.
Chego à escultura...é um chafariz restaurado por Ugo Stentorei em 1983...está no centro da tal praça, e, de fato, a uns 200 metros do mar. São 11:30. Num banco bem em frente uma senhora lê o jornal...não usa luvas nem toca. O casaco está aberto e o cachecol pende do pescoço.

A areia por aqui é fina como a nossa, mas é mais escura. A água não parece tão salgada, pelo menos não à prova do palato. A praia está quase deserta. Além de mim, vejo duas mulheres ao longe e um senhor caminhando em minha direção. É Antonio Giardini, nascido em Cortona – cidade fundada por Dardano, segundo a mitologia grega filho de Zeus – na província de Arezzo, na Toscana. Passou pelas mãos de etruscos e romanos antes de se emancipar, no ano de 1200.

- A Itália de antigamente não existe mais...e com todos aqueles bastardi nojentos lá em Roma não vai se reerguer nunca. Pra você que é jovem, melhor estar no Brasil, um país de idéias novas.

Mas parece que a Itália ainda serve a muita gente...do mundo todo. E Rimini é um exemplo disso. Com 136 mil habitantes, fica na costa leste da Itália, é banhada pelo Mar Adriático...do outro lado, atravessando o mar, estão a Croácia, a Albânia e depois a Grécia. Rimini é um balneário e é, por essência e por força do turismo de verão, cosmopolita. Pra cá vêm alemães, holandeses, franceses, escandinavos... gente rica a passeio. Vêm junto chineses, paquistaneses, tailandeses e norte-africanos...gente esperta atrás de grana.

- Um italiano cobra 15 euros por um corte de cabelo, um chinês te faz por 8. E eles trabalham 12, 15 horas por dia, sem nenhuma segurança nem férias. São explorados por outros chineses, donos do salão – me explica o senhor Giardini, que foi bombeiro na juventude.

De fato os chineses dominaram este ramo por aqui. Paquistaneses e tailandeses preferiram o comércio, principalmente de produtos típicos de suas culturas. Os norte-africanos são os que mais sofrem...em geral chegam clandestinos, iludidos por algum sonho de prosperidade. Vi muitos como ambulantes, vendendo meias e todo o tipo de bugigangas pelo centro. Vi outros pedindo esmola.

- Deus te abençoe meu filho! Muito trabalho pra você e pra sua família! - Ela certamente tem mais de 70 anos, é marroquina, de belíssimos olhos castanho-claros. Pelos 30 centavos que dou me deseja toda a sorte mundo e me sorri uma meia dúzia de dentes. Eu engulo, SECO, e corro dali.

O mercado de Rimini é um barato! Calculo que tenha uns 3 mil metros quadrados. A área é toda coberta. Ao fundo, um grande supermercado popular, no patamar logo acima, uma feira de frutas e verduras de todo o tipo. Mais adiante, os frutos do mar Adriático: polvo, peixe, camarão, lula, marisco. Tem também um café bem ali, mas ninguém quer se sentar, o cheiro é muito forte.

Eu quero! E então respiro casa... bem fundo!

28 novembro 2011

Vilmo

Aproximo-me da fenda no vidro blindado que serve para a comunicação entre porteiro e visitante. Estou assustado coma imponência e o esplendor do prédio antigo, a porta de madeira enorme que se abre por baixo de um dos famosos pórticos das ruas do centro de Bologna. É só o meu segundo dia por aqui, e tudo ainda parece impossível...agora busco ajuda para obter meu permesso di soggiorno, uma permissão pra ficar na Itália por um longo período.

- Entra, vem aqui pelo lado, aqui à esquerda! Pode entrar! É só empurrar a porta.

Aquilo me parece estranho. Por que o porteiro de nariz adunco, cabelos brancos e cara de eslavo me manda entrar sem que eu me identifique? Ainda mais num prédio como aquele, cheio de aparatos de segurança!

Ele só quer me receber bem, me ouvir de perto. Pergunta-me de onde venho, conto-lhe minha história. Ele me diz que já esteve no Brasil, na Amazônia, na escola de Chico Mendes. Diz que é poeta, me entrega um poema:

“Sei bem que enchemos o mundo de belas palavras.
Agora é preciso dar pernas a todas elas”

Chama-se Vilmo Ferri, tem 55 anos. Uma vez por mês, desde 1992, vai à Bósnia com um furgão Ducato vermelho cheio de comida, roupas, calçados, cadeiras de roda e instrumentos musicais. Ajuda mulheres que sofreram estupro étnico, crianças famintas e vítimas da guerra da ex-Iugoslávia. De Bologna até lá são 14 horas de estrada. Algumas fronteiras são atravessadas à noite, para evitar problemas com os croatas. Há 4 anos a ONU o nomeou sócio honorário, o que facilita o seu contato com médicos, policiais e autoridades.

Com água nos olhos e voz embargada Vilmo aponta para uma foto presa à parede. É de um menino com cerca de 12 anos.

- Este menino morreu uma semana atrás. Eu o trouxe pra cá pra tentar ajudá-lo...mas não foi possível. Tinha leucemia.

“Em cada momento da nossa vida
é preciso ajudar com todas as nossas forças,
quem está pior que nós”


Vilmo trabalha na Câmara dos Trabalhadores Estrangeiros, na Via Marconi, bem no centro de Bologna. Aqui não é voluntário; é só o porteiro do período vespertino... mas faz questão de ser gentil e de confortar as pessoas com suas histórias. Como fez a mim. Grazie Vilmo!

27 novembro 2011

Gomorra


Aproveito as melhores horas do dia para sair de casa. Entre 11 da manhã e 2 da tarde a temperatura é mais humana...o sol conforta e a luz é boa.

Leio “Gomorra”, o primeiro livro do napolitano Roberto Saviano, que tem quase a minha idade, 31. Ficou famoso, virou filme...dissecou em 330 páginas (da versão em italiano) como age a Camorra, a organização criminosa de Napoli, no sul da Itália. Saviano vive escondido...se der bobeira, morre!

Escolho um parque e um banco, onde o sol bata bem forte. Aqui não preciso mais de luvas nem de gorro de lã. Abro a jaqueta, deixo o vento fresco entrar. Sinto cheiro de frio...ar seco, grama orvalhada e pisada por mim momentos antes...cheiro de frio, sim senhor!

Estou num parque em Bologna que leva o nome de 3 policiais cruelmente assassinados em 4 da janeiro de 1991: Mauro Mitilini, Andrea Moneta e Otello Stefanini. Por volta das 10 da noite daquele dia eles foram surpreendidos por uma espécie de milícia que agia na região contra extracomunitários, ciganos, negros, bancários e claro, policiais. Não tiveram nenhuma chance contra o verdadeiro arsenal de guerra – inclusive uma Berreta AR-70 – que portavam os assassinos. Foram crivados de bala e depois queimados.

Agora caminho sozinho, canto Djavan...é domingo, dia sagrado da família, ainda mais para os italianos. Um dia calmo, de pouquíssimo movimento nas ruas. Vou até a venda, mas está fechada. Tudo bem, tenho tudo pro almoço...ou quase tudo. Ainda me falta alguém pra tirar as fotos, pra compartilhar cada nova descoberta, cada história e cada sentimento. E tem que ser ela: Paula!

Mudei, voltei

De agora em diante escrevo aqui sobre a Itália, ou a Europa, tudo depende.
O que observamos e vivemos - eu e a Paula - vai estar por aqui. Que seja interessanate pra todos!