28 novembro 2011

Vilmo

Aproximo-me da fenda no vidro blindado que serve para a comunicação entre porteiro e visitante. Estou assustado coma imponência e o esplendor do prédio antigo, a porta de madeira enorme que se abre por baixo de um dos famosos pórticos das ruas do centro de Bologna. É só o meu segundo dia por aqui, e tudo ainda parece impossível...agora busco ajuda para obter meu permesso di soggiorno, uma permissão pra ficar na Itália por um longo período.

- Entra, vem aqui pelo lado, aqui à esquerda! Pode entrar! É só empurrar a porta.

Aquilo me parece estranho. Por que o porteiro de nariz adunco, cabelos brancos e cara de eslavo me manda entrar sem que eu me identifique? Ainda mais num prédio como aquele, cheio de aparatos de segurança!

Ele só quer me receber bem, me ouvir de perto. Pergunta-me de onde venho, conto-lhe minha história. Ele me diz que já esteve no Brasil, na Amazônia, na escola de Chico Mendes. Diz que é poeta, me entrega um poema:

“Sei bem que enchemos o mundo de belas palavras.
Agora é preciso dar pernas a todas elas”

Chama-se Vilmo Ferri, tem 55 anos. Uma vez por mês, desde 1992, vai à Bósnia com um furgão Ducato vermelho cheio de comida, roupas, calçados, cadeiras de roda e instrumentos musicais. Ajuda mulheres que sofreram estupro étnico, crianças famintas e vítimas da guerra da ex-Iugoslávia. De Bologna até lá são 14 horas de estrada. Algumas fronteiras são atravessadas à noite, para evitar problemas com os croatas. Há 4 anos a ONU o nomeou sócio honorário, o que facilita o seu contato com médicos, policiais e autoridades.

Com água nos olhos e voz embargada Vilmo aponta para uma foto presa à parede. É de um menino com cerca de 12 anos.

- Este menino morreu uma semana atrás. Eu o trouxe pra cá pra tentar ajudá-lo...mas não foi possível. Tinha leucemia.

“Em cada momento da nossa vida
é preciso ajudar com todas as nossas forças,
quem está pior que nós”


Vilmo trabalha na Câmara dos Trabalhadores Estrangeiros, na Via Marconi, bem no centro de Bologna. Aqui não é voluntário; é só o porteiro do período vespertino... mas faz questão de ser gentil e de confortar as pessoas com suas histórias. Como fez a mim. Grazie Vilmo!

27 novembro 2011

Gomorra


Aproveito as melhores horas do dia para sair de casa. Entre 11 da manhã e 2 da tarde a temperatura é mais humana...o sol conforta e a luz é boa.

Leio “Gomorra”, o primeiro livro do napolitano Roberto Saviano, que tem quase a minha idade, 31. Ficou famoso, virou filme...dissecou em 330 páginas (da versão em italiano) como age a Camorra, a organização criminosa de Napoli, no sul da Itália. Saviano vive escondido...se der bobeira, morre!

Escolho um parque e um banco, onde o sol bata bem forte. Aqui não preciso mais de luvas nem de gorro de lã. Abro a jaqueta, deixo o vento fresco entrar. Sinto cheiro de frio...ar seco, grama orvalhada e pisada por mim momentos antes...cheiro de frio, sim senhor!

Estou num parque em Bologna que leva o nome de 3 policiais cruelmente assassinados em 4 da janeiro de 1991: Mauro Mitilini, Andrea Moneta e Otello Stefanini. Por volta das 10 da noite daquele dia eles foram surpreendidos por uma espécie de milícia que agia na região contra extracomunitários, ciganos, negros, bancários e claro, policiais. Não tiveram nenhuma chance contra o verdadeiro arsenal de guerra – inclusive uma Berreta AR-70 – que portavam os assassinos. Foram crivados de bala e depois queimados.

Agora caminho sozinho, canto Djavan...é domingo, dia sagrado da família, ainda mais para os italianos. Um dia calmo, de pouquíssimo movimento nas ruas. Vou até a venda, mas está fechada. Tudo bem, tenho tudo pro almoço...ou quase tudo. Ainda me falta alguém pra tirar as fotos, pra compartilhar cada nova descoberta, cada história e cada sentimento. E tem que ser ela: Paula!

Mudei, voltei

De agora em diante escrevo aqui sobre a Itália, ou a Europa, tudo depende.
O que observamos e vivemos - eu e a Paula - vai estar por aqui. Que seja interessanate pra todos!